Museu do Genocídio Tuol Sleng |
"Como sempre, quanto mais radioso se apresenta o futuro, mais perto está a catástrofe." Quando o escritor alemão W.G.Sebald escreveu esta frase, havia ainda uma parte considerável do mundo a recuperar das agruras provocadas pelas duas maiores experiências políticas do século XX -o comunismo e o nazismo. De facto -e esta é a faceta mais deprimente dos grandes projectos políticos do século passado- a barbárie ocorrida durante o século XX nasceu muitas vezes da tentativa de corrigir ou de eliminar dramas humanos como a pobreza, a desigualdade, a injustiça. Foi o caso do Camboja.
No dia 17 de Abril de 1975, a cidade de Phnom Penh foi cercada pelos khmers vermelhos. Os objectivos dos khmers vermelhos pareciam puros e nobres: pôr cobro à miséria material em que vivia a população do Camboja e abolir a exploração "do homem pelo homem" provocada, no entender dos revolucionários combojanos, pela natureza odiosa do sistema capitalista.
Na verdade, a máscara "humanitária" ostentada pelos khmers vermelhos demorou pouquíssimo tempo a cair-lhes dos rostos. Uma vez conquistado o poder, foi transmitido aos habitantes da capital cambojana o dever de abandonarem temporariamente as suas casas e os seus bens. Os khmers vermelhos explicaram a medida falando num suposto bombardeamento americano que estaria eminente, o que não se veio a verificar. Em poucas horas, centenas de milhares de pessoas rumaram em direcção às zonas rurais do Camboja, deixando deserta a capital do seu país, literalmente deserta. Aqueles que recusaram sair de Phnom Penh foram executados.
O cineasta Rithy Panh viveu na primeira pessoa o horror do regime encabeçado por Pol Pot, tendo-o retratado exemplarmente no documentário "A Imagem que Falta". A certa altura desta obra documental, ouvimos o narrador comentar que "tudo começa com a pureza e termina no ódio". Como foi possível que a pureza das ideias dos khmers vermelhos, ideias essas com um fundo humanista, tenha mergulhado na inumanidade mais profunda? Em "Divórcio em Buda", Sándor Márai observa o seguinte: "Quem seria capaz de fotografar, registar, tactear o instante em que algo se rompe entre duas pessoas?" De facto, teremos nós a capacidade de registar o momento a partir do qual uma ideia justa se transforme tão completamente que, em nome dela, um homem seja capaz de cair verticalmente na abjecção moral? É provável que saibamos muito pouco sobre a bizarria destes comportamentos. Nesta matéria, o espanto, a estranheza e a ignorância são totais. É como se voltássemos a partilhar com os nossos antepassados mais antigos aquela estupefacção que eles provavelmente sentiam perante a contínua metamorfose da natureza, natureza essa com leis infinitamente inexplicáveis e ilógicas até à descoberta do princípio da causalidade. A descoberta de que tudo o que acontece ou que existe possui uma causa lançou a humanidade nessa grande odisseia que é a do conhecimento.
O cineasta Rithy Panh viveu na primeira pessoa o horror do regime encabeçado por Pol Pot, tendo-o retratado exemplarmente no documentário "A Imagem que Falta". A certa altura desta obra documental, ouvimos o narrador comentar que "tudo começa com a pureza e termina no ódio". Como foi possível que a pureza das ideias dos khmers vermelhos, ideias essas com um fundo humanista, tenha mergulhado na inumanidade mais profunda? Em "Divórcio em Buda", Sándor Márai observa o seguinte: "Quem seria capaz de fotografar, registar, tactear o instante em que algo se rompe entre duas pessoas?" De facto, teremos nós a capacidade de registar o momento a partir do qual uma ideia justa se transforme tão completamente que, em nome dela, um homem seja capaz de cair verticalmente na abjecção moral? É provável que saibamos muito pouco sobre a bizarria destes comportamentos. Nesta matéria, o espanto, a estranheza e a ignorância são totais. É como se voltássemos a partilhar com os nossos antepassados mais antigos aquela estupefacção que eles provavelmente sentiam perante a contínua metamorfose da natureza, natureza essa com leis infinitamente inexplicáveis e ilógicas até à descoberta do princípio da causalidade. A descoberta de que tudo o que acontece ou que existe possui uma causa lançou a humanidade nessa grande odisseia que é a do conhecimento.
No entanto, de que serve o princípio da causalidade quando falamos do genocídio cambojano? Servirá ele para entendermos as motivações dos khmers vermelhos quando, por exemplo, sabemos hoje que eles fotografavam metodicamente certas execuções que levavam a cabo? Claro que não.
No documentário a que já aludi -A Imagem que Falta- existe um momento particularmente comovente e obsceno (parece uma contradicção, mas não é) que representa uma espécie de súmula da perversão a que um ser humano pode chegar. Trata-se de uma mãe que é denunciada pelo próprio filho aos guardas dos khmers vermelhos por ter colhido umas simples mangas. Este episódio está no YouTube e pode ser visto na ligação que aqui deixo: começa no minuto 43:57 e termina no minuto 44:49.
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