Num poema dedicado a Schubert, o poeta sueco Tomas Tranströmer- no meio de considerações sobre Nova Iorque, as viagens transatlânticas das aves, o poder e a natureza da música, entre outros assuntos- reflecte a certa altura sobre o acto de confiar:
"Em quantas coisas não temos de confiar para poder viver o dia a
dia sem nos afundarmos pela terra abaixo!
Confiar nos montes de neve que se agarram com força à vertente
da montanha sobranceira à aldeia!
Confiar nas promessas de manter segredo e no sorriso de mútuo
acordo, confiar em que o telegrama que comunica o acidente
não se destina a nós, e que a inesperada pontada aguda não se
fará sentir.
Confiar nos eixos das rodas que nos suportam na autoestrada, no
meio de um enxame de aço trezentas vezes maior.
E, contudo, nada disto é merecedor de confiança da nossa parte."
Tomas Tranströmer tem razão. É espantosa a quantidade de coisas em que temos de confiar para sermos capazes de concluir um único dia na Terra. Desde o aparecimento do primeiro homem que existe uma espécie de acordo entre a humanidade e o mundo. É este acordo que nos permite atribuir uma forma ao mundo, estruturá-lo e, por conseguinte, viver nele. O pilar central deste acordo assenta sobretudo na confiança. Podemos não conhecer os detalhes deste acordo, é até provável que este singular acordo se encontre perdido no vórtice do tempo - aquele que tudo destrói- mas o certo é que toda a gente o segue escrupulosamente desde o início. Ele está diluído na nossa carne, na nossa sensibilidade, no nosso eu. Apesar de Auschwitz e do Gulag, apesar da traição do amigo de infância, apesar das mentiras sorridentes da amada, apesar das bestialidades praticadas todos os dias em algum ponto do planeta, apesar do fosso insuperável entre ricos e pobres, apesar da inevitabilidade da morte, a verdade é que a humanidade continua a confiar em algo ou em alguém. Em matéria de confiança, não há ateus.
dia sem nos afundarmos pela terra abaixo!
Confiar nos montes de neve que se agarram com força à vertente
da montanha sobranceira à aldeia!
Confiar nas promessas de manter segredo e no sorriso de mútuo
acordo, confiar em que o telegrama que comunica o acidente
não se destina a nós, e que a inesperada pontada aguda não se
fará sentir.
Confiar nos eixos das rodas que nos suportam na autoestrada, no
meio de um enxame de aço trezentas vezes maior.
E, contudo, nada disto é merecedor de confiança da nossa parte."
Tomas Tranströmer tem razão. É espantosa a quantidade de coisas em que temos de confiar para sermos capazes de concluir um único dia na Terra. Desde o aparecimento do primeiro homem que existe uma espécie de acordo entre a humanidade e o mundo. É este acordo que nos permite atribuir uma forma ao mundo, estruturá-lo e, por conseguinte, viver nele. O pilar central deste acordo assenta sobretudo na confiança. Podemos não conhecer os detalhes deste acordo, é até provável que este singular acordo se encontre perdido no vórtice do tempo - aquele que tudo destrói- mas o certo é que toda a gente o segue escrupulosamente desde o início. Ele está diluído na nossa carne, na nossa sensibilidade, no nosso eu. Apesar de Auschwitz e do Gulag, apesar da traição do amigo de infância, apesar das mentiras sorridentes da amada, apesar das bestialidades praticadas todos os dias em algum ponto do planeta, apesar do fosso insuperável entre ricos e pobres, apesar da inevitabilidade da morte, a verdade é que a humanidade continua a confiar em algo ou em alguém. Em matéria de confiança, não há ateus.
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