No rescaldo do ataque terrorista ao jornal satírico Charlie Hebdo, Slavoj Žižek - filósofo esloveno - escreveu um pequeno e interessante livro sobre o "problema" do Islão.
Um dos aspectos mais interessantes do livro O Islão é Charlie? (tradução portuguesa) é a tese em que o autor põe em causa a autenticidade do fundamentalismo islâmico. Para Žižek, o pseudofundamentalismo islâmico assenta na ausência de uma particularidade que se encontra em todos os fundamentalistas autênticos, como os budistas do Tibete ou as comunidades Amish dos Estados Unidos: a profunda indiferença que estes sentem pelo estilo de vida dos não-crentes. Na verdade, diz Žižek, "os pseudofundamentalistas terroristas estão profundamente irritados, fascinados, pela vida pecaminosa dos não-crentes". Se os "fundamentalistas islâmicos" sentissem indiferença pelos ocidentais seriam incapazes de recorrer ao uso de meios radicais como o fazem, uma vez que a indiferença é, por definição, um sentimento que não se coaduna com a acção. A consequência natural da indiferença é a imobilidade, nunca a acção apaixonada. Alguém imagina um budista tibetano preocupado com o modo como os outros vivem a sua própria vida? Não é possível. O budista sabe que aqueles que não partilham as suas crenças estão errados, e é precisamente esse saber (essa certeza) que lhe permite olhar o estilo de vida dos outros com indiferença.
No entanto, a indiferença não pauta o relacionamento entre os "fundamentalistas islâmicos" e o ocidente. Há, pelo contrário, um ódio feroz que permeia estes dois pólos. Os romances de Dostoiévski ensinam-nos que o ódio é, muitas vezes, uma espécie de amor distorcido que o sujeito que odeia sente pelo sujeito odiado. De facto, é indiscutível que a dedicação monomaníaca que o ódio exige possui bastantes pontos de contacto com o amor. Congeminar planos de vingança, ter sempre o inimigo na paisagem mental, revela o fascínio que esse "inimigo" exerce sobre nós. Mais uma vez, um fundamentalista "a sério" não tem quaisquer inimigos, nem se sente fascinado pelos outros, porque tudo o que escapa ao seu modelo de vida lhe é indiferente. Qualquer crença que seja abalada pela mera existência de outras crenças denota uma fragilidade confrangedora. Qual é a solidez de um crença que é abalada pelo facto de um jornal satírico publicar um desenho ofensivo? Rigorosamente nenhuma. Tal como Žižek insinua, fazia falta que os pseudofundamentalistas islâmicos estivessem seguros da sua superioridade face aos restantes mortais. Esse seria o passo essencial para que eles se tornassem fundamentalistas autênticos. Por conseguinte, nós tornar-nos-íamos invisíveis para eles.
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