Nas décadas de 60 e 70 do século XIX, a acção concertada, apaixonada e tenaz de um grupo de jovens artistas pôs em movimento uma corrente artística com uma importância ímpar na história da pintura: o Impressionismo. Como seria de esperar, o establishment artístico não acolheu de bom grado as inovações operadas pelo movimento impressionista. Alguns dos mais influentes críticos de arte da época, como Louis Leroy (que esteve presente na primeira exposição deste grupo, em 1874, tendo sido lá que ele cunhou este grupo de "impressionista"), receberam as telas de Claude Monet, Alfred Sisley, Camille Pissarro, August Renoir, entre muitos outros, com desagrado, incredulidade e horror.
O caminho trilhado pelos impressionistas na difusão das suas ideias foi tudo menos fácil. A luta incessante contra as visões tradicionalistas que imperavam no meio artístico, ainda muito aferrado ao academismo da época, marcou o despontar deste movimento. Quando não houve uma completa rejeição dos trabalhos impressionistas, existiu uma tentativa de os subalternizar, nomeadamente através da colocação das suas telas em locais de pouca visibilidade aquando das exposições de arte. Em consequência de todas estas barreiras, a enorme espada da fome, da doença e da miséria pairou sempre sobre as cabeças destes homens.
Se há algo que caracteriza uma revolução é o facto de quase ninguém estar preparado para ela, excepto aqueles que a fazem e promovem. Qualquer revolução, tenha ela um cariz político, religioso, cultural ou qualquer outro, está fadada à incompreensão e rejeição (quando é possível rejeitá-la). Com a revolução impressionista, pois é de uma verdadeira revolução que se trata, passou-se o mesmo.
O que é que explica o carácter revolucionário do Impressionismo? Em primeiro lugar, é a partir da corrente impressionista que a pintura se torna - em certa medida - anárquica e desprovida de limites. Contemple-se atentamente as telas de Claude Monet, por exemplo. O pensamento que nos assalta imediatamente é o de que estamos perante algo radicalmente diferente do que havia sido feito até então. O elemento central que nos permite afirmar que a pintura impressionista é diferente de tudo aquilo que a precedeu reside, sem dúvida, na dissolução das formas e figuras que nela foi levada a cabo. Monet e os seus correligionários liquefizeram os inúmeros pedaços de realidade sobre os quais se debruçaram: árvores, pessoas, ruas, casas, rios, montanhas, sol, chuva, neve e vento. Nada lhes escapou. Esta atmosfera líquida e indefinida foi capturada através da adopção de uma técnica de pintura focada essencialmente no predomínio da cor sobre o desenho. A cor invadiu as telas, tornando-se a principal construtora das formas geométricas. Os impressionistas pintavam como se não tivessem tempo a perder, isto é, com pinceladas pequenas, rápidas, fragmentárias e pastosas. Foi a partir deste momento que se lançaram à terra as sementes do cubismo, do dadaísmo e do abstraccionismo - em suma, da arte moderna.
Muitas pessoas perguntam: por que razão é que os impressionistas escolheram lançar a pintura no terreno da "anarquia, do caos e da incompreensão"? Existem várias explicações plausíveis que podem clarificar esta "escolha". A primeira delas é de natureza pragmática. Acossada pelo sucesso e entusiasmo gerados pela invenção e massificação da fotografia, a pintura foi obrigada a reinventar-se. Cedo se percebeu que a fotografia retratava a realidade de um forma muito mais exacta e realista do que a pintura. Por isso, qualquer tentativa de pôr a pintura a competir na mesma divisão da fotografia só poderia redundar em fracasso para a primeira, pois o terreno fértil da pintura não é o da realidade real, mas sim o da realidade imaginada.
A somar a isto, existia também nos círculos artísticos a incómoda sensação de que a pintura estava a mergulhar na espiral da repetição. Há tantos mundos para pintar e, ainda assim, estamos sempre agarrados aos temas da mitologia, da religião e da história! Era este o pensamento que martelava o cérebro de muitos jovens artistas desejosos de romper com as convenções e de instaurar a inovação no seio da pintura. Os impressionistas entenderam que não era necessário recorrerem a temas grandiosos, pois não havia nada que não fosse suficientemente digno e interessante de ser representado. A prática impressionista demonstra-nos claramente que o fascínio sentido perante a representação dos elementos mais triviais do quotidiano pode assumir uma magnitude semelhante àquela que experienciamos quando contemplamos, por exemplo, uma qualquer representação da crucificação de Cristo. É este o lado "democrático" da pintura impressionista.
Por último, o aparecimento do movimento impressionista resultou da mastodôntica metamorfose (cultural, económica e técnico-científica) vivida nas sociedades ocidentais da segunda metade do século XIX. Factores como a intensificação dos ritmos de vida e o fluxo incessante de pessoas, bens e mercadorias, desempenharam um papel relevantíssimo na génese do Impressionismo. Como escreveu Claudio Magris, "a pintura impressionista [...] nasce também do fluir metropolitano que decorre rápido e ininterrupto, permitindo ao olhar captar não sólidas e compactas figuras isoladas, mas o traço esfumado desse contínuo transcorrer." Perante uma existência cada vez mais rápida, desagregada e transitória, o grupo dos impressionistas decidiu libertar-se das amarras do passado para se dedicar à reprodução do presente. Apesar de tudo, é possível que isto lhes tenha acontecido naturalmente. No dia em que os impressionistas abriram as janelas das suas casas e repararam verdadeiramente nas transformações existentes na rua em frente, talvez tenham dito: "Está na hora de começarmos do zero."
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Camille Pissarro, Le Boulevard Montmartre, matin d'hiver, 1897 |
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Claude Monet, Le Train dans la neige. La Locomotive, 1875
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Claude Monet, Sur la plage à Trouville, 1870
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