Avançar para o conteúdo principal

Pequena nota sobre a escrita

Em Fevereiro de 2002, Donald Rumsfeld - o então secretário da defesa dos Estados Unidos da América - produziu uma declaração curiosa num dos habituais briefings no Pentágono. Quando perguntado sobre a ausência de evidências relativa a um hipotético conluio entre o Governo iraquiano (liderado por Saddam Hussein) e a organização terrorista Al-Qaeda, Donald Rumsfeld proferiu o seguinte: "Relatos que dizem que uma coisa não aconteceu sempre me parecem interessantes, porque, como sabemos, há coisas conhecidas conhecidas, há coisas que sabemos que sabemos. Nós também sabemos que há coisas conhecidas desconhecidas: ou seja, nós sabemos que há algumas coisas que nós não conhecemos. Mas há também coisas desconhecidas desconhecidas – as que não sabemos que não sabemos." 

O hermetismo desta resposta serviu-me para pensar na natureza da escrita, particularmente da escrita ficcional. Para mim, a ideia de que há coisas que nós sabemos que não sabemos adequa-se perfeitamente ao acto de escrever. Através da escrita, é-nos possível transmitir fragmentos daquilo que conhecemos, bem como daquilo que não conhecemos. A literatura é feita a partir deste jogo misterioso entre o conhecimento e a ignorância, por mais paradoxal que esta ideia possa parecer.
     Numa entrevista que deu recentemente, o poeta polaco Adam Zagajewski explicou bem este conceito: "Se sabes exactamente o que queres dizer, deixas de escrever. Diria que se trata de uma espécie de luminosa ignorância. És ignorante, ignoras as coisas mas de uma tal forma em que podes partilhá-lo com as outras pessoas." Portanto, não há na escrita uma mera transferência para o papel daquilo que se situa na nossa consciência ou nos domínios do nosso conhecimento. A escrita é, pelo contrário, um método mágico e incognoscível de trazer à superfície de nós mesmos certas metáforas, enredos, reflexões e atmosferas que estão encondidas em todos nós sem que o saibamos. Aqueles ditados intermináveis que fomos obrigados a redigir na nossa infância, nada têm que ver com a escrita. Se assim não fosse, escrever seria um simples exercício de copistas.

Comentários