Avançar para o conteúdo principal

Donald Trump


Trump and His Sharpie, do cartoonista John Cuneo, publicado na revista New Yorker (6-9-2019)

Quando oiço dizer que as crianças estão cada vez mais altas e encorpadas, lembro-me imediatamente de Donald Trump. Donald Trump mede mais de um metro e oitenta e cinco, possui uma compleição física magnífica (devidamente acompanhada por uma saúde não menos magnífica) e, segundo o que me foi dado a entender nos últimos três anos, continua a ser uma criança. O leitor menos atento a estas trivialidades talvez duvide da justeza desta descrição, no entanto, é sempre um erro colocarmos em causa as evidências, ainda para mais quando se trata de evidências científicas. Num relatório médico sobre Trump, escrito pelo próprio Donald Trump, é afirmado que "a sua força física e resistência são extraordinárias." Mas já se sabe que nem sempre existe uma relação directa entre o desempenho físico e a saúde, daí a necessidade que o "Doutor" Trump terá sentido em eliminar quaisquer suspeitas relativas ao seu estado de saúde: "Caso seja eleito, Trump, posso afirmar inequivocamente, será um dos indivíduos mais saudáveis alguma vez eleitos para a presidência." O facto de Trump ter escrito o seu próprio relatório médico é um pormenor absolutamente secundário, como é evidente para qualquer cidadão bem intencionado. 

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016 deixou o mundo boquiaberto. Poucos estavam à espera de um desfecho vencedor por parte dos republicanos, incluindo Donald Trump. No célebre livro "Fogo e Fúria", do jornalista Michael Wolff, o autor argumenta que Donald Trump terá ficado tão espantado com a sua vitória como o resto do mundo (nem queria acreditar quando ganhou), uma vez que a principal motivação da sua candidatura presidencial assentava essencialmente no desejo de promover a marca Trump. Ao fim destes três anos de presidência, confesso que não me espanta que Trump tenha conseguido chegar à Casa Branca. Infelizmente, o povo nem sempre é sábio. Portanto, a mim não me surpreende que Donald Trump seja presidente dos Estados Unidos da América; o que me espanta é a existência de um ser humano assim. Há quem diga que a realidade ultrapassa sempre a ficção e é bem possível que seja verdade. Alguns dos maiores ficcionistas e humoristas nunca conseguiram conceber uma personagem com as características de Donald Trump. Não houve uma cabeça suficientemente imaginativa a ponto de prever que, no futuro, iria existir um político com o inacreditável desplante de afirmar que "eu podia dar um tiro a alguém no meio da Quinta Avenida e não perdia nenhum voto." E como esquecer aquela contenda entre John McCain e Donald Trump, na qual este referiu que McCain - ex piloto que foi feito prisioneiro na guerra do Vietname - não merecia o estatuto de herói de guerra por ter sido capturado? "Eu gosto de pessoas que não foram capturadas", afirmou Trump. 
     Não vou alongar-me dando mais exemplos deste género, pois eles são inúmeros e quase diários. Donald Trump faz-me pensar naquela frase que se diz quando morre uma pessoa de quem se gosta: "Ainda não acredito que ela morreu!" Com Trump passa-se o inverso, ou seja, o difícil é acreditar que alguém como ele possa existir de verdade. 

Contudo, é possível que o maior problema do "fenómeno Trump" não esteja adstrito à sua acção política e àquilo que ele pode fazer agora, no presente. É inevitável que Trump saia de cena, mais cedo ou mais tarde; o que é menos certo é saber se o seu legado político vai ou não prolongar-se nas décadas vindouras. Se se prolongar, e existem vários indícios que apontam nesse sentido, a democracia irá ser confrontada com desafios novos e complexos. Como lidar com a propagação deliberada de notícias falsas? Como enfrentar a desfaçatez como modo de existir e de agir? O que fazer perante a indigência moral e intelectual? Como evitar a erosão total da verdade? 
     Se daqui a dez ou vinte anos estes temas estiverem no centro da discussão política, Trump e os seus discípulos terão motivos de sobra para se sentirem realizados. Porquê realizados? Por terem conseguido impôr ao mundo o seu legado político. 

No documentário "The Brink", Steve Bannon - o estratega político que anda pelo mundo a disseminar o nacionalismo e o populismo, e que, aliás, desempenhou um papel fundamental na eleição de Trump - não é comedido no modo como entende a importância da chegada de Trump ao poder. Segundo Steve Bannon, "Donald Trump is a historical figure [...] And Donald Trump is gonna be in your life, your personal life, 30 years from now." Espero que o vaticínio (e o desejo) de Bannon não se concretize. 









Comentários