Não me é difícil imaginar que se levássemos um papagaio ao cinema para assistir ao filme Jeune et Jolie, de François Ozon, a única coisa que ele talvez soubesse dizer sobre o filme seria repetir incansavelmente "Marine Vacth, Marine Vacth, Marine Vacth..." Não me atreveria a censurar o animal, pois também a mim, que não sou um papagaio (tenho testemunhas que o podem comprovar), me foi impossível resistir ao desejo de dizer e redizer Marine Vacth vezes sem conta.
No filme Jeune et Jolie, a actriz francesa Marine Vacth interpreta o papel de Isabelle, uma jovem de 17 anos que, por razões pouco claras, experimenta entrar no mundo da "alta prostituição". Ao longo do filme não é dada ao espectador uma explicação conclusiva sobre as motivações de Isabelle. Não é o dinheiro que a cativa, muito menos a procura de prazer. A certa altura, a própria afirma que "não sentia quase nada" durante os encontros sexuais em que participou. Para Isabelle, a prostituição não se trata de um modo de existir, é somente uma experiência a que ela se sente tentada. "Era como um jogo", refere a jovem Isabelle em conversa com o seu psicólogo. Isabelle sentiu vontade de jogar e jogou, tornando-se acompanhante de luxo.
O maior activo do filme não é a sofisticação dos diálogos, nem a complexidade da trama, nem a profundidade intelectual dos temas abordados. Jeune et Jolie agarra-nos e conquista-nos sobretudo devido à sua exuberância visual, que é alimentada à custa de Marine Vacth e da sua inacreditável beleza física. Numa entrevista, o realizador François Ozon confessou a centralidade da experiência visual no seu filme Jeune et Jolie: "I could only make the film if I had an actress who was fascinating to look at [...] it had to be an actress that the viewer, and myself, wanted to look at - almost as you'd look at an insect." Jovem e Bela (na tradução portuguesa) e Marine Vacth são indissociáveis, por isso não pretendo alongar-me sobre o filme. Falarei apenas de Marine.
A beleza extrema de Marine Vacth (lê-se Vakt) possui a particularidade de ser quase chocante para aquele que a contempla. O choque não desponta exclusivamente daquilo que é grotesco e abjecto. Não são só os serial-killers ou os violadores que nos chocam; as pessoas extremamente bonitas também podem chocar-nos com tanta ou mais intensidade do que os representantes mais horripilantes da espécie humana. Por definição, o choque é um evento de proporções cataclísmicas que se instala em nós, alterando daí em diante as nossas emoções, pensamentos, ideais e comportamentos. Digamos que existe um "eu" antes do choque e um "eu" após o choque. A metamorfose interior que surge na sequência do choque permite-nos descortinar um horizonte que não existia antes do evento chocante. Cada pessoa lerá uma mensagem diferente no seu horizonte privado. Ao olhar para o rosto de Marine Vacth, a mensagem que esvoaça no meu horizonte é tão simples quanto irrealizável: "O êxtase que sentes neste momento nada tem de extraordinário. Pelo contrário, foi para este momento que nasceste. Num mundo construído de raiz para a humanidade, num mundo alinhado com as tuas sedes, esta seria a ordem natural das coisas, da vida." Em geral, a existência humana não é pródiga em momentos realmente mágicos. No entanto, há acontecimentos que nos transformam e nos envolvem numa doce névoa de magia. Olhar para Marine Vacth é um desses acontecimentos.
Marine Vacth demonstra cabalmente que a forma humana continua a ser a mais elevada das artes. Esqueçam a literatura, a música, a pintura, a sétima arte. Nada possui o condão de nos rasgar a carne, o cérebro, a alma, como uma mulher supremamente bonita. A presença de Marine Vacth é absolutamente mesmerizante, se é que me permitem trazer para o meio da discussão o adjectivo criado a partir do nome do célebre médico austríaco Franz Mesmer. Eu, criatura terrena e mortal que sou, ao levantar a cabeça para o alto - para Marine - sinto que imito na perfeição o movimento daqueles que olham para o tecto da Capela Sistina pela primeira vez. Sim, caro leitor, a magnificência humana pode caber num único rosto.
Em Jeune et Jolie, Marine Vacth caminha triunfalmente em corredores semi-obscuros de hotéis, nas movimentadas passadeiras parisienses, bem como no interior de domicílios banais. Em todas estas cenas do filme fica comprovada a peculiaríssima leveza que é um apanágio exclusivo das mulheres espantosamente bonitas. Não me refiro àquela leveza que pode ser captada com as mãos, mas sim àquela que só os olhos podem percepcionar. Não é possível decifrar a graciosidade etérea de que Marine foi investida. O que sabemos nós sobre seres que pisam um pavimento cuja composição nós desconhecemos?
Tudo me fascina em Marine Vacth: os olhos de cor aparentemente variável, ora parecem verdes, ora parecem cinzentos; o olhar ternamente melancólico, distante, quase ausente; as tímidas sardas que pontuam as maçãs do rosto, o nariz e a "zona sul" da testa; os lábios que parecem estar prestes a ceder com o peso do sangue que se esconde neles; a voz suave, frágil, cheia de infinitas sombras acolhedoras; os gestos lentos e calculados, dotados de uma expressividade que remonta a uma era misteriosa; a calma seráfica de quem se sente inscrita no restrito grupo dos predestinados.
Pessoas poucos sensíveis a estas minudências estéticas talvez considerem a minha "apologia de Marine Vacth" um tremendo exagero. Estão inteiramente enganadas. Comparados com Marine Vacth, todos nós nascemos amputados. Esta é a verdade.
Marine Vacth sem dúvida, uma mulher muito bonita.
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