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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2018

Excesso de realidade

The Literary Digest, Studying French in the Trenches, 20 de Outubro de 1917 A espécie humana não pode suportar muita realidade, escreveu o poeta inglês T.S.Eliot. Ele tem razão. Quando, por qualquer razão, esta frase vem ter contigo, penso imediatamente no problema do sofrimento humano. Emil Cioran observou que o que irrita no desespero é “a sua legitimidade, sua evidência, sua documentação: é pura reportagem”. Isto pertence ao domínio dos factos, no entanto, é indesmentível que não existe praticamente ninguém que aceite o sofrimento de forma totalmente pura. Aqueles que aceitam o sofrimento com pureza caminham com a cruz em direcção à auto-destruição. Podemos dizer que morrem devido ao excesso de realidade. Contudo, a maior parte das pessoas não é assim, pois rebela-se contra o sofrimento, transformando-o. Os métodos usados para transformar o sofrimento em algo diferente daquilo que ele é na sua essência são inesgotáveis, mas todos eles se propõem a alcançar o mesmo objectivo – ...

Os primitivos e os contemporâneos

Claude Lévi-Strauss, Amazónia, 1936 Ao olhar para trás (para o passado), o homem contemporâneo tende a fazer uma leitura simultaneamente pueril e presunçosa da existência do homem "primitivo". É evidente que não se trata de uma característica exclusiva da actualidade, até porque todas as gerações possuem no seu âmago ideológico a convicção de que são superiores a todas aquelas que as precederam, no entanto, é um facto que esta desagradável jactância nunca foi tão notória como no momento actual. Como é que isto se explica?  Existem certamente variadíssimas explicações, mas a mais importante talvez esteja relacionada com a crença que serve de base a todo o edifício ideológico da era contemporânea, nomeadamente a crença no progresso tecnológico. Cada sociedade assegura a sua coesão e estabilidade através da adopção de um conjunto de crenças, ideais e opiniões por parte do maior número possível de indivíduos. Durante muito tempo, a densa teia das mitologias assumiu uma...

Sobre a confiança

Num poema dedicado a Schubert, o poeta sueco Tomas Tranströmer- no meio de considerações sobre Nova Iorque, as viagens transatlânticas das aves, o poder e a natureza da música, entre outros assuntos- reflecte a certa altura sobre o acto de confiar: "Em quantas coisas não temos de confiar para poder viver o dia a    dia sem nos afundarmos pela terra abaixo!  Confiar nos montes de neve que se agarram com força à  vertente    da montanha sobranceira à aldeia!  Confiar nas promessas de manter segredo e no sorriso de mútuo    acordo, confiar em que o telegrama que comunica o acidente    não se destina a nós, e que a inesperada pontada aguda não se    fará sentir.  Confiar nos eixos das rodas que nos suportam na autoestrada, no    meio de um enxame de aço trezentas vezes maior.  E, contudo, nada disto é merecedor de confiança da nossa parte." Tomas Tranströmer tem razão. É espantosa a quanti...